sábado, 26 de setembro de 2009

"De repente,

não mais que de repente”, encontro, em meio a tanto concreto de minha diária rotina, minha tão comum e aborrecida rotina, não uma rosa, ou violeta, ou crisântemo, ou flor-de-lis, encontro um livro. Um livro que, apesar de fechado, trancado a chave, me aparece interessante.

Mas me pergunto, por que só eu tomo consciência desse livro? Por que as outras pessoas também não param junto a mim para, num esforço conjunto, abrirmos esse livro? Não sei. E não saber só me faz sentir mais vulnerável. Quem para em meio a tanto concreto para admirar um livro fechado? Sinto-me louco.

Tomo, então, solitariamente, uma atitude. Tiro o livro do concreto que me prende, e, surpreendentemente, ele se abre a mim. E a abertura se deu naturalmente, sem força. Começo a lê-lo, e percebo que há partes em uma língua que não compreendo. Há também partes bastantes claras, como que se fossem escritas por mim. Assusto-me. Quando nos identificamos tanto com um texto e não sabemos o que está escrito antes, ou depois, a curiosidade nos consome.

Decido então me dedicar a esse livro. Partes obscuras tornam-se mais claras. Vejo inclusive marcas de quem já o lera, e me pergunto de que forma esse livro foi lido, como foi manuseado, onde esteve e por que estava no concreto da minha rotina.

Obceco-me pelo livro. E ele está comigo aonde quer que eu vá. Decoro excertos. Mostro-o para meus mais íntimos amigos. Eles não o entendem como eu. E isso só me mostra como fui feliz ao encontrá-lo, sem nem ao menos procurá-lo. Ele simplesmente se encontrava em meio ao concreto da minha vida.

Hoje, abraço-me a esse livro, coloco-o em meu colo, e ficamos horas os dois em silêncio. Um silêncio despretensioso, complacente, companheiro. Um silêncio que apenas me mostra o quanto me identifico a ele. Não consigo colocá-lo em estante alguma, em classificá-lo. Tal livro é único. Nessa singularidade que espelha a mim mesmo, amo-o.

Gilberto G. 25/09/2009.

domingo, 20 de setembro de 2009

O limãozão

O limãozão.

Escrevi isso vendo Caminho das Índias, peço um desconto.

Pra variar, não entendi o último parágrafo do texto morangólico.

Mas enfim, antes o limão ao morango, pois é o azedume do limão o que mais apreciamos nele. Apesar das tentativas, quase sempre frustradas, de se adoçá-lo.

Peço mais uma vez sua licensa, paciente leitor. Não sou daqueles que acredita na docura da vida, mesmo vindoura (e não porvindoura, diria um certo professor processualista) de um azedume.

Vejo o destino como um limãozão (a idéia era grande limão, mas acredito que limãozão expressa melhor a idéia). Um limãozão que temos que chupar. E não nos resta alternativa, estimado leitor (ou leitora, já que eu acho que será somente uma), a não ser chupá-lo.

Os prazeres da vida não são nada mais do que tentativas de adoçar o limão. Usa-se açúcar, ou adoçante, o efeito é o mesmo. Tenta-se enconder o azedume de passar um dia atrás do outro com a artificialidade de um condimento abundante, ou até mesmo artificial. Podemos também utilizar o mel, e ficarmos aliviados, pois a doçura da vida viria de forma natural, ainda que uma intervenção esperançosa. Alguns tentam, inclusive, na mistura com uma certa bebida feita de agave, se embriagar, perder a consciência do azedo, utilizando-o para potencializar o efeito alienador, o torpor, da tal bebida. Porém, nada disse nos desvia do fato de que o limão é azedo!

Aprendamos a conviver com o azedume! Aprendamos a fazer uma limonada, azeda, claro, do limão da vida. Façamos careta ao primeiro gole. Bebamos um copo, dois três. Gostemos do limão, pois é a única coisa que temos de verdadeiro. Um limãozão.


Chupamos o limão juntos,
Gilberto Gomes.


ps pra gabi: o que eu tiro do texto? preciso de ler mais filosofia, preciso fundamentar tudo isso daí.

ps2: terminei o texto vendo Zorra Total...
A partir de agora só vêm novidades. Acabaram os textos de "resgate" de memória. Agora são coisas realmente recentes.

Receita de bolo (?)

Um texto recente extremamente mal escrito, envergonho-me. Tem lá seu valor, representa minha parte otimista (que é péssima escritora).

Pegue curiosidade e misture com vontade de rir da vida em abundância até formar uma massa. Depois, misture vontade de conhecer as pessoas com uma pequena dose de insegurança (cuidado com a dosagem desta, é muito fácil errar a mão e exagerar) até formar uma mistura homogênea. Ponha tudo no forno. Quando dourar, salpique com ranzinzice e conformismo. Vai melhor junto com um pouco de vontade de melhorar as coisas.

14/05/2009

Sem título 1

Eu adoro esse texto, se refere a uma das minhas primeiras viagens em Introdução à Filosofia. Até que não é um modelo tão esdrúxulo.

Hoje, na aula de Intro a Filosofia, o assunto foi Santo Agostinho, livre-arbítrio mais especificamente. Aí, um dos temas tratados foi como se aproxima de Deus e tals. Consegui desenvolver uma teoria paralela interessante:

1) Deus é o núcleo. Não apenas no sentido de centro. Núcleo de átomo mesmo, só que bem grandão, com partículas positivas e neutras, sendo que essas partículas positivas atraem.

2)Nós, as pessoas, somos corpos neutros, mas carregados igualmente com partículas positivas e negativas. Desse modo, Deus pode nos atrair por indução.

3)No caminho até a iluminação, há vários níveis de esclarescimento, de virtudes. Os saltos de níveis se dão quando se consegue um nível maior de esclarescimento. As virtudes são o que permite a indução do núcleo/Deus.

4)Pode-se afastar do núcleo, quando as virtudes não são empregadas. Desse modo, parte-se do ponto onde se está em direção ao vazio, ao nada. Que seria o mal, enquanto o núcleo/Deus seria o bem.

Esses são os pontos. É um grande aglomerado de bobagem. A universidade me mostra que vai demorar um grande tempo até que eu seja capaz de escrever alguma coisa que valha a pena ser lida.

11/09/2008

Sentimento de impotência

Avisem à srta. Hedler que é disso que eu estou falando.

Há o ditado: "Uma andorinha só não faz verão".
E não faz mesmo. Na verdade eu nunca entendi direito essa frase aí, o que que a andorinha tem a ver com verão??
Mas voltando ao assunto do texto. Não se muda o mundo sozinho. Não se muda a mentalidade das pessoas sozinho. Mesmo acompanhado, e de muitos, é uma tarefa árdua (besteira, é impossível mesmo)
Esse tempão que eu fiquei sem escrever aconteceram algumas coisas, e a maioria delas me faz compreender. Não gosto da vida que levo. Uma amiga que tenho me disse que é fácil mudar isso: é só mudar o jeito que vive, oras, fazer alguma coisa. Não acho que seja bem assim.

Nós somos aquilo que as pessoas acham que nós somos. Por isso somos multi-facetados. Por isso somos falsos. Por isso somos egoístas.
Minha maior esperança é que minha vida mude na entrada à universidade. Novos ares, novas pessoas, novas idéias. Mas a cada dia que passa vejo que esse é um ledo engano. As pessoas que me modelam, que me fazem, encontram-se dentro de minha casa. Minha família me modela.

É uma relação um tanto quanto esquisita de se entender. Eu os adoro todos. Meu relacionamento com eles, no geral, é muito bom, nada de grave a se reclamar não. O problema é que o filho lindo e maravilhoso que eles têm é um cara que não tem nada lá fora. Não se ofendam os que se acham algo para o pobre escritor. A questão de ter nada é por SER nada.

Adoraria ter um mês, um dia que seja, para viver a vida de outras pessoas. Não importa quais sejam. Um mês um perdedor maior que eu próprio. No outro, o senhor músculos com cerveja. Ser podre de rico num dia. Ser podre no outro.
Meu sonho é poder escolher na prateleira a vida que quero viver. Deixar para trás tudo que contruí até agora. Do que adianta ter um futuro brilhante, se por dentro tudo é fosco, apagado, sem graça.
Quero deixar a posição de espectador do mundo para ser agente. Paciente que seja, quero me ver no meio. Deixar de ser o cara procurado na hora das dúvidas de química pra ser o cara procurado na hora da sacanagem.

Estou marcado a ser eu mesmo enquanto minhas raízes persistirem.

26/06/2008

Era uma lojinha bem interessante

Esse daí é um dos primeiros textos que eu creio que escrevi com um fim, com uma idéia. Ainda não ficou legal, mas é a primeira tentativa

Era uma lojinha bem interessante. Entrada apática, feiosinha mesmo. Parecia com as lojas de antiguidades que se vê na TV, com um coreano ou chinês na porta, que atende mal às pessoas. Ficava num lugar afastado, apático, feiosinho mesmo. Mas, mesmo com todos esses atrativos, a tal lojinha tinha um movimento surpreendente. Era um entra e sai de pessoas com a sua sacolinha debaixo do braço.
Uma sacolinha de tamanho que não condizia com o local. Plástico, nome da loja, slogan, telefone e homepage! Dentro, uma caixa de tamanho razoável, às vezes com um inflador. De ar.
O produto vendido é que era o segredo do sucesso. Não era produtos sensacionais anunciados em privadas, não era a dieta milagrosa que faria emagrecer vinte quilos em duas semanas. A loja vendia bolhas.
E tão só somente bolhas, com o opcional inflador, eram vendidas naquele lugar. E como vendia bolhas. E como vendia bolhas.
Venda suas ações, resgate sua poupança, venda seu carro, sua casa, suas roupas. Petróleo? Mineradora? Banco? Besteira. Dinheiro fácil é com venda de bolhas.
Mas tem que ter a intuição dos grandes homens de negócios. Lojas de bolhas não dão lucro para sempre. Depois de um certo tempo a freguesia vai se esvaindo. O movimento cessando.
Um homem no isolamento. Um homem fechado às influências externas. Pode se sentir feliz. Mas tem que ter a intuição dos grandes pensadores. Solidão não dá lucro para sempre. Depois de um certo tempo, a calma vai se esvaindo. A razão cessando.
Um homem não compra uma bolha duas vezes.

26/06/2008

(Rapaz, eu estava uma criatura extremamente apática a essa época)

Resgatado 3o

Bastardo?

É o primeiro texto desse tipo que eu escrevo, tô até me arrependendo do nome do blog!

Existem dois assuntos relacionados à política que eu definitivamente abomino. Um deles, que nem é tão política assim, é a falsidade de muitos adolescentes que se dizem esquerdistas, ou que pregam o discurso da igualdade, do socialismo.

Ah! Que agonia que me dá quando eu vejo as criaturas!!

Minha pergunta é: como eu posso falar mal de um sistema que me sustenta? como eu posso criticar condições de trabalho sub-humanas se eu a maioria dos produtos que consumo vêm dessa mão de obra? Como eu posso falar mal da distribuição de renda num dos cursos pré-vestibular mais caros da cidade, calçando um nike?

Isso não existe!!!

Como uma pessoa dessas pode falar mal de políticos? Da hipocrisia deles? Da falta de coerência deles? Da mudança de postura após as eleições deles? Da imobilidade deles frente à desgraça diária que vive o país?

Como eu, um jovem burguês (e olha que não sou dos grandes...) vou falar mal do capitalismo?
Acho bom mesmo! Eu realmente acho que pra eu estar aqui, em frente ao computador, na internet, escrevendo esse texto, ouvindo uma ótima música da Leslie Feist, tem que ter alguém pior que eu. É assim que funciona. Pra existir o rico tem que existir o pobre. pra existir o muito rico tem que existir milhares de miseráveis. É uma pena, mas é a realidade.

Foi o que escrevi em outro lugar:
Não tente mudar o sistema,porque ele é imutável.
Tente se enquadrar nele da melhor forma possível,
E só assim vc não perderá a sua vida lutando pelo inatingível!

Eu tenho como meta não ser um grande capitalista explorador. Minha meta é conseguir um lugar ao sol nessa sociedade "injusta". Daí posso tentar fazer algo.

Nunca presenciamos uma revolução vinda de baixo, e eu realmente acho que nunca veremos. Apenas se nos conscientizarmos e tentar escalar as barreiras desse sistema é que poderemos tentar mudar alguma coisa.

Enquanto jovem em frente ao computador, estudando em cursinho caro, só posso me preparar e amadurecer as minhas idéias, para que eu um dia eu tenha condições de pô-las em prática.

Fico nisso mesmo,
e espero que alguém se interesse a ir até o final.

18/10/2007

[cacete, mudou um pouco, mas não muito...]

Resgatado 2o

Todo adolescente bobo escreve de bobagens amorosas. Óbvio.

Essa seria a carta que eu tenho vontade de te escrever, mas não posso, não consigo.
Nela gostaria de escrever que sou um fraco, um covarde, não mereço sequer o seu olhar. Que olhar! Acho que foi a primeira coisa que eu percebi em você. Foi o que fez me apaixonar. Seus olhos.
Ah! Gostarei que você me perdoe, melhor, gostarei de me perdoar. Não sei o que estou fazendo, nem o qe vou fazer. Achei que te ignorar ia ser melhor pra mim, tô achando que não é uma boa idéia. Quanto mais tempo fico sem te ver, mais tempo eu fico pensando em você. E é terrível. E é ótimo. Por favor, tente falar comigo. Tente puxar um assunto banal comigo. Brade Paddock! Brade! Brade aos quatro cantos que eu a amo! Que eu quero ficar com ela! Só não brade que eu não consigo, só não brade que eu sou um covarde, que eu sou um fraco.
O quanto eu ensaiei um textinho besta que eu sei que nunca vou dizer. O quanto eu imaginei uma cena, a nossa cena, que eu sei que nunca se realizará!
Seus olhos, seu sorriso. Me perco neles.
Fale comigo, por favor. Pergunte por que eu estou distante, por que faz dois dias que eu não falo com você. Pelo menos note que eu fiquei dois dias sem falar com você! Note que eu tentei, sem sucesso, não olhar pros seus olhos, e me perder dentro deles. Por favor! Me libere dessa agonia. Me dê a paz que eu preciso. Me dê um motivo para eu dormir sorrindo. Além do seu sorriso, dos seus olhos.
O que eu daria para poder ter coragem de te dizer tudo. Dizer dito, na cara, olhando para os seus olhos. Já comentei: há coisas que eu me nego a escrever, e são logo essas as coisas que eu não consigo falar!
Estou corroído por dentro! O ciúme e a saudade já são terríveis! Não consigo te ver com outros, com ele. Por favor, vá falar comigo do mesmo jeito que você vai falar com ele. Vá me receber do mesmo jeito caloroso com que você recebe a ele. Por Favor!
Seja a Capitu de quem eu preciso!
Olhe para quem sempre está a olhando, que precisa te olhar.

Sempre olhe para o lado mais sorridente!!
e SORRIA!!

29/09/2009

Resgatado 1o

Esse daqui era o meu perfil do orkut.
Jah tava meio deslocado, então vou por aqui só pra não esquecer, lembra da memória?

Puff, cansei do Bugsy Malone.
Tô confuso.
PAREM A TERRA E DEIXEM-ME DESCER POR FAVOR!!!!!!!!!!!!
Incrível como as pessoas vem e vão!
Marina, tô precisando de falar contigo (, sempre)
Ah!!!!!!!!
Não quero nem saber!
Homer disse: "Eu tenho três filhos e nenhum dinheiro. Por que eu não tenho três dinheiros e nenhum filho?"
Saudades de todo mundo que tá longe.
Frases ao vento!!!
"O passado e o futuro são a mesma coisa: o presente!"
BLARGH
Zum Zaravalho!
Abraços pra todo mundo!


Bem, Abraços pra todo O mundo

23/09/2007

Citações 1

Quando um texto nasce, já cumpriu sua principal função, harmonizar a alma de quem o criou. (Perboyre Sampaio)

Nem tudo o que dá certo é certo. (David Capistrano)

Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades. (Barão de Itararé)

Trabalho é tudo aquilo que se faz obrigado. (Tom Sawyer, de Mark Twain)

23/09/2007

Ópera

Um dos melhores capítulos de um dos melhores livros de um dos melhores escritores da literatura brasileira.

IX - A Ópera

Já não tinha voz, mas teimava em dizer que a tinha. "O desuso é que me faz mal", acrescentava. Sempre que uma companhia nova chegava da Europa, ia ao empresário e expunha-lhe todas as injustiças da terra e do céu; o empresário cometia mais uma, e ele saía a bradar contra a iniqüidade. Trazia ainda os bigodes dos seus papéis. Quando andava, apesar de velho, parecia cortejar uma princesa de Babilônia. As vezes, cantarolava, sem abrir a boca, algum trecho ainda mais idoso que ele ou tanto - vozes assim abafadas são sempre possíveis. Vinha aqui jantar comigo algumas vezes. Uma noite, depois de muito Chianti, repetiu-me a definição do costume, e como eu lhe dissesse que a vida tanto podia ser uma ópera, como uma viagem de mar ou uma batalha, abanou a cabeça e replicou:
--A vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor e o barítono lutam pelo soprano, em presença do baixo e dos comprimirás, quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo tenor, em presença do mesmo baixo e dos mesmos comprimirás. Há coros a numerosos, muitos bailados, e a orquestração é excelente...
--Mas, meu caro Marcolini...
--Quê...
E depois, de beber um gole de licor, pousou o cálix, e expôs-me a história da criação, com palavras que vou resumir.
Deus é o poeta. A música é de Satanás, jovem maestro de muito futuro, que aprendeu no conservatório do céu. Rival de Miguel, Rafael e Gabriel, não tolerava a precedência que eles tinham na distribuição dos prêmios. Pode ser também que a música em demasia doce e mística daqueles outros condiscípulos fosse aborrecível ao seu gênio essencialmente trágico. Tramou uma rebelião que foi descoberta a tempo, e ele expulso do conservatório. Tudo se teria passado sem mais nada, se Deus não houvesse escrito um libreto de ópera do qual abrira mão, por entender que tal gênero de recreio era impróprio da sua eternidade. Satanás levou o manuscrito consigo para o inferno. Com o fim de mostrar que valia mais que os outros, e acaso para reconciliar-se com o céu, compôs a partitura, e logo que a acabou foi levá-la ao Padre Eterno.
--Senhor, não desaprendi as lições recebidas, disse-lhe. Aqui tendes a partitura, escutai-a emendai-a, fazei-a executar, e se a achardes digna das alturas, admiti-me com ela a vossos pés...
--Não, retorquiu o Senhor, não quero ouvir nada.
--Mas, Senhor...
--Nada! nada!
Satanás suplicou ainda, sem melhor fortuna, até que Deus, cansado e cheio de misericórdia, consentiu em que a ópera fosse executada, mas fora do céu. Criou um teatro especial, este planeta, e inventou uma companhia inteira, com todas as partes, primárias e comprimárias, coros e bailarinos.
--Ouvi agora alguns ensaios!
--Não, não quero saber de ensaios. Basta-me haver composto o libreto; estou pronto a dividir contigo os direitos de autor.
Foi talvez um mal esta recusa; dela resultaram alguns desconcertos que a audiência prévia e a colaboração amiga teriam evitado com efeito, há lugares em que o verso vai para a direita e a música, para a esquerda. Não falta quem diga que nisso mesmo está a além da composição, fugindo à monotonia, e assim explicam o terceto do Éden, a ária de Abel, os coros da guilhotina e da escravidão. Não é raro que os mesmos lances se reproduzam, sem razão suficiente. Certos motivos cansam à força de repetição. Também há obscuridades; o maestro abusa das massas corais, encobrindo muita vez o sentido por um modo confuso. As partes orquestrais são aliás tratadas com grande perícia. Tal é a opinião dos imparciais.
Os amigos do maestro querem que dificilmente se possa acha obra tão bem acabada. Um ou outro admite certas rudezas e tais ou quais lacunas, mas com o andar da ópera é provável que estas sejam preenchidas ou explicadas, e aquelas desapareçam inteiramente, não se negando o maestro a emendar a obra onde achar que não responde de todo ao pensamento sublime do poeta. Já não dizem o mesmo os amigos deste. Juram que o libreto foi sacrificado, que a partitura corrompeu o sentido da letra, e, posto seja bonita em alguns lugares, e trabalhada com arte em outros, é absolutamente diversa e até contrária ao drama. O grotesco, por exemplo, não está no texto do poeta; é uma excrescência para imitar as Mulheres Patuscas de Windsor. Este ponto é contestado pelos satanistas com alguma aparência de razão. Dizem eles que, ao tempo em que o jovem Satanás compôs a grande ópera, nem essa farsa nem Shakespeare eram nascidos. Chegam a afirmar que o poeta inglês não teve outro gênio senão transcrever a letra da ópera, com tal arte e fidelidade, que parece ele próprio o autor da composição; mas, evidentemente, é um plagiário.
--Esta peça, concluiu o velho tenor, durará enquanto durar o teatro, não se podendo calcular em que tempo será ele demolido por utilidade astronômica. O êxito é crescente. Poeta e músico recebem pontualmente os seus direitos autorais, que não são os mesmos, porque a regra da divisão é aquilo da Escritura: "Muitos são os chamados, poucos ao escolhidos". Deus recebe em ouro, Satanás em papel.
--Tem graça...
--Graça? bradou ele com fúria; mas aquietou-se logo, e replicou: Caro Santiago, eu não tenho graça, eu tenho horror à graça. Isto que digo é a verdade pura e última. Um dia. quando todos os livros forem queimados por inúteis, há de haver algum, pode ser que tenor, e talvez italiano, que ensine esta verdade aos homens. Tudo é música, meu amigo. No princípio era o dó, e do dó fez-se ré, etc. Este cálix (e enchia-o novamente), este cálix é um breve estribilho. Não se ouve? Também não se ouve o pau nem a pedra, mas tudo cabe na mesma ópera...

20/09/2007

Das intenções

Escrevo esse blog para abolir o outro, que tem toda uma carga emotiva de adolescente estúpido. Não que eu me considere adulto, ou algo melhor que estúpido. É só que gostaria de eliminar entradas que estragam ou desvirtuam ou que nâo tem nada a ver.

Este blog nasce com o objetivo de ser um depósito (depositório é só soar legal) de textos que escrevi, a grande maioria deles bastante ruim, durante meus arroubos de escritor. Tem um ou outro de que me esqueci de ter escrito, alguns deveras razoáveis, que vou colocar aqui de novo.

Blog para postar textos, com ou sem destinatário, com ou sem motivação, com ou sem desejo de serem lidos.