sexta-feira, 30 de abril de 2010

Amar, Verbo Intransitivo - do Paulistano Desvairado

Missão da noite: escrever uma resenha sobre o livro "Amar, Verbo Intransitivo", de Mário de Andrade. Coloco nesses termos principalmente porque será realmente difícil tecer um discurso totalmente concatenado sobre o livro. Tenho opiniões diversas dentro da própria trama, tanto boas quanto ruins. Me perdi um pouco dentro da narrativa, feita de modo bastante curioso.

A primeira dificuldade de se ler Amar, Verbo Intransitivo (AVI) é a de se compreender a história. As primeiras 30 páginas são bastante confusas. Não consegue-se dar cara às personagens, não consegue identificar cada uma delas na seqüência dos acontecimentos.

Quando começa-se a identificar personagens, logo vemos que a narrativa gira em volta de uma personagem alemã, Elza, ou, como será chamada por todo o livro, Fräulein. E a tentativa inicial de Andrade foi fazer com que Fräulein fosse algo como o estereótipo alemão, ainda que, para o autor, haja dois alemães dentro de um só:

O alemão propriamente dito é o cujo que sonha, trapalhão, obscuro, nostalgicamente filósofo, religioso, idealista incorrigível, muito sério, agarrado com a pátria, com a família, sincero e 120 quilos. Vestido o tal, aparece outro sujeito, homem da vida, fortemente visível, esperto, hábil e europeiamente bonitão. Em princípio se pode dizer que é matéria sem forma, dúctil H²O se amoldando a todas as quartinhas. Não tem nenhuma hipocrisia nisso, nem máscara. Se adapta o homem da vida, faz muito bem.

Porém, com o andar da carruagem, vemos que o livro não é apenas sobre uma alemã começa seu trabalho como governanta em um lar de classe média alta no Brasil. Como o títula da obra já dá a dica, AVI é sobre o amor. Também podemos afirmar que trata de costumes brasileiros nas décadas de 20/30, e, além disso, da visão que os estrangeiros têm da nossa pátria (embora fique claro que é uma visão dum intelectual brasileiro sobre o que os estrangeiros acham do brasileiros).

A história segue com sua narração confusa, com "capítulos", ou simplesmente interrupções, que muito pouco tem a ver com o centro da história. Utiliza muitas assonâncias e onomatopéias. Usa o recurso de repetir um trecho repetitivamente. Dá, no início, informações que só podem ser entendidas com a leitura. Exemplo da suavidade, da discrição do texto:

A colcha branca ondula toda, insone, por mais de meia hora, ver terremoto de teatro. Gira dum lado pro outro, se contorce. Vai se desarranjando, cai. Carlos principia a correr. Vai correndo cada vez mais rápido e depressa, 120 por hora... Pum! caius. Dá um pulo na cama, respira ofegante, se ergue. Procura a colcha e se cobre outra vez. Agora está dormindo.

E a principal das informações da história, que só vamos compreender para lá da metade do livro, é a real "missão", o trabalho pelo qual Fräulein ganhará seus oito contos. A alemã foi contratada pela família Sousa Costa para ser a iniciadora do filho mais velho, Carlos. Tudo num ponto de vista de se "proteger o menino dos perigos da rua", ou algo do gênero. Faz aquela linha de pensamento, "antes em casa do que na rua".

O peculiar de tudo é a visão de que a governanta tem do que seja o amor:

O amor deve nascer de correspondências, de excelências interiores. Espirituais, pensava. Os dois se sentem bem juntos. A vida se aproxima.

Andrade, apesar da profissão da protagonista, pinta-a mais como uma verdadeira alemã, "culta" e "com princípios", do que como "alguém de vida fácil" (sim, eu sei que estou exagerando nos chavões nesse texto, fazer o quê?). E é nisso que está a beleza de AVI. E é aí também que teço minhas críticas quanto ao que entendo pela "mensagem" do título.

Amar, Verbo Intransitivo. O que isso nos conta? O que seria amar como um verbo intransitivo? O dicionário coloca amar da seguinte forma:

a.mar
(lat amare) vtd, vint e vpr 1 Ter amor, afeição, ternura por, querer bem a: Queria dizer a todo o mundo quanto o amava. Os egoístas não amam. Amaram-se toda a vida. vtd 2 Apreciar muito, estimar, gostar de: Feliz daquele que ama o trabalho! vpr 3 Fazer amor; copular: Os recém-casados amam-se no escuro. Antôn: detestar, odiar.


Apenas uma acepção para amar como verbo intransitivo. É a acepção de amar como algo absoluto. Vejo AVI como uma definição possível do verbo amar como intransitivo. É o amor que Fräulein tenta ensinar a Carlos. O amor, que embora idealizado, se concretiza. Um amor que, muitas vezes, perde a cara e se torna apenas corpo. É o amor que não tem complemento. Não importa o outro sujeito que se ama, mas apenas as forma a qual se ama.

Fico na dúvida se compreendi adequadamente o texto de Mário de Andrade. Tem uma leitura relativamente simples, apenas com um ou outro problema de léxico, já que quase 80 anos separam o leitor de escritor. A história é boa, embora não tenha aquela liga que nos deixa preso à narrativa, exceto por uma ou outra parte. A forma da narrativa, inclusive, é um dos pontos altos da leitura. Dou nota 7,5. O modernismo pelo modernismo, como AVI em muitas partes mostra, não é um bom projeto. Apenas quando tenta nos passar uma mensagem clara é que ganha forma é mostra todo o potencial.

Termino o post com algumas passagens que achei bastante interessantes:

O que chama-se vulgarmente personalidade é um complexo e não um completo.

Carlos esses três dias viveu? Eu não sei se alcançar a felicidade máxm, extasiar-se aí, e sentir que ela, apesar de superlativa, inda cresce, e reparar que idna pode crescer mais... isso é viver? A felicidade é tão oposta à vida que, estando nela, a gente esquece que vive. Depois quando acaba, dure pouco, dure muito, fica apenas aquela impressão do segundo. Nem isso, impressão de hiato, de defeito de sintaxe logo corrigido, vertigem em que ninguém dá tento de si.

Não se discute: os estigmas do pecado alindam qualquer cara.

Porém, quando as verdades saltam do coração, nós homens intelctuais lhe damos o nome feio de confissões.

Dona Maria Luísa melancólica olha a filha. Por que tem bonecas sãs e bonecas doentes neste mundo, meu Deus!

De mais a mais assim, violentamente, a lição ficava mais viva no espírito, isto é, no corpo de Carlos. O corpo tem muito mais memória que o espírito, não é?

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Olhai os Lírios do Campo, do Narrador Gaúcho

Já terminei o livro há quase uma semana e ainda não tinha conseguido juntar a vontade de escrever com a disponibilidade para tal atividade. A vontade de escrever não chegou propriamente dita, mas está mais do que na hora de escrever, senão a experiência fica muito distante e se perde as impressões mais superficiais.

Mas o que posso dizer sobre um livro da família Veríssimo? Olhai os Lírios do Campo é o livro que colocou o nome dessa gaúcha família no mapa da literatura brasileira. apesar de não ser o livro de estréia, foi o que permitiu, como Érico Veríssimo inclui em um dos prefácios, a obra que o permitiu "encarar a literatura como profissão".

Olhai os Lírios do Campo, a partir de agora OLC, não é o primeiro livro de Veríssimo que leio. Minha primeira experiência com o autor foi com Incidente em Antares, livro que li por causa do PAS 3 (que acabei nem fazendo por ter passado no vestibular antes, mas enfim). Foi uma experiência incrível. Apesar de por vezes enfadonho e demorado, Incidente em Antares nos expõe um ponto de vista gaúcho dos principais acontecimentos da história brasileira de mais de meio século. Isso tudo sem falar nos mortos-vivos, que novamente entram na moda com a publicação do mash-up Orgulho e Preconceito e Zumbis. Enfim, o motivo do post não é Incidente em Antares, livro que super recomendo, aliás, mas sim Olhai os Lírios do Campo.

As primeiras impressões do livro não são lá as melhores. Numa narrativa que, no início do livro, não é bem utilizada, mas que no final da primeira parte se mostra ideal, ficamos em uma prosa em dois tempos. A primeira narrativa é sobre as experiências passadas de Eugênio, nosso anti-herói, pelo menos na primeira parte do livro (sim, o livro é dividido em duas partes, separadas por um acontecimento vital para a história, a morte de Olívia). Já a segunda narrativa é o "presente", no caminho de Eugênio para o leito de morte de Olívia. A segunda parte do livro consiste na vida de Eugênio após esse episódio.

Mas enfim, como mostra do estranhamento do começo do livro, coloco aqui dois trechinhos bastantes esquisistos, principalmente num livro que se propõe de crítica social e romântico ao mesmo tempo. É uma realidade que o autor poderia ter deixado para depois:

Entre o seu corpo e o objeto de seus sonhos fogosos erguia-se o castigo dos professores e, ainda mais assustador, o castigo de Deus. A verdade, porém, era que nada disso conseguia apaziguar-lhe os apetites, que ele saciava solitariamente, no silêncio do quarto, cheio de medo, de vergonha e dum trêmulo e ansiado prazer.

Eugênio odiou a natureza. Ela não tinha pudor de amar assim abertamente, de gritar seus pensamentos libidinosos em plena luz do sol. Procurou afastar dela a atenção, como quem desvia o olhar duma gravura obscena.

Porém, com o andar da história, os ponteiros acertam o ritmo, e o que nos mostra é um protagonista que, na maior parte do tempo, é movido por sentimentos maus (sim, é meio piegas mesmo). Alguém que quer subir apenas por pura vaidade. Ou melhor, por insegurança.

Sim, ter sucesso por insegurança. Esse é o ponto do livro no qual muito me idenfiquei com Eugênio. A leitmotiv de sua vida é a insegurança. É esta que gera a vergonha e a ambição desmedida. É essa que faz com que Eugênio tome decisões erradas, que se tornariam indeclinavelmente em arrependimento. É também a insegurança que leva Eugênio, na segunda parte da sua vida, a seguir o caminho que teria traçado se estivesse ao lado de Olívia. Pois estar com Anamaria, sua filha com aquela, é, de certa forma, estar com Olívia. Dois trechos com os quais muito me identifico e que demonstram a insegurança de Eugênio são esses:

Tinha medo de fazer uma análise íntima, de olhar para dentro de si mesmo, pois seria cruel descobrir que a represa estava seca ou que continha apenas mágoas, incertezas, gritos de espanto e dúvida, velhos recalques.

Eugênio se esforçava por entrar na alegria berrante das horas de recreio, dos bailes que os rapazes improvisavam no grande salão de ginástica. Era inútil. Um dia gritara no meio da balbúrdia e ficara o resto do tempo a ouvir o eco interior da própria voz naquele grito sem graça, sem alegria, sem espontaneidade, sem juventude. Envergonhara-se de si mesmo.

Esse último trecho pode-se dizer que foi escrito olhando para minha experiência de calouro. Foi um ponto de flexão na minha vida, em que saía de uma melancolia de despedida para encontrar o novo, com novas atitudes. Entretanto, vi que a realidade não mudou como um todo, mas que o que devia mudar era a atitude perante a ela, apenas.

Podemos enchergar a insegurança em Eugênio em sua segunda fase por meio destes dois trechos. O que acho interessante é que, apesar de ter virado um personagem "bonzinho", essa bondade não é absoluta. É, com certeza, entremeada de dúvidas.

Repetia palavras e idéias que andavam no ar. Mas a verdade era que a pobreza e a infelicidade alheia, para ele, não tinham existência real. Ele só sabia das suas próprias dores, necessidades, do seu drama pessoal.

"A bondade não é uma virtude passiva". Como era fácil ser mau e como era ainda mil vezes mais fácil ser indiferente! A roda da vida girava e no fim de tudo estava a morte, o silêncio, o aniquilamento.

A questão dos sentidos, principalmente enquanto Eugênio era casado com Eunice, é bastande interessante, o que também está presente na sua relação com o Megatério (por que será que parece tanto com Cemitério hein?). Como a insegurança, ou o complexo de inferioridade, como ospersonagens do livro se referem, é transposta na relação de Eugênio com as coisas:

Se conforto tem um cheiro especial, ele o estava aspirando agora: um cheiro adocicado e pulverulento que vinha da madeira lustrada, dos estofos finos, da cera do assoalho.

Outro ponto que achei extremamente interessante no livro é na alta dose de sensatez, de consonância com muito do que penso. Apesar de ser uma história "feliz", com um final em que as coisas terminam relativamente bem, a natureza humana é descrita como má. É uma forma de se dizer: pode-se ser contente nessa confusão de sentimentos e nesse mundo infeliz.

É o mal da raça a mania de discutir, a volúpia de vestir um escafandro e descer ao fundo de todas as coisas. Mas é que existem lagos rasos.

Termino minhas impressões com a mais bonita parte do livro. É a esperança de Olívia, que, mesmo tendo sida "desverossimilhancizada" pelo Veríssimo em um dos prefácios, a oposição à insegurança de Eugênio. É aquela esperança que vence a insegurança.

Olha para o céu. As estrelas estão mais nítidas. Olívia fala na sua memória: "Olha as estrelas. Enquanto elas brilharem haverá esperança na vida". Ela sempre lhe dizia essas palavras. Tinham um misterioso sentido. As estrelas eram um símbolo de pureza, qualquer coisa inatingível que a mão dos homens não havia ainda conseguido poluir.

Um bom livro, embora não ótimo. Nota 8,5. É um daqueles que nos faz pensar, com uma história e um protagonista que nos envolve.

domingo, 11 de abril de 2010

Cristóvam Buarque: o semeador de utopias, de Marcel Bursztyn

Creio que esse livro foi o melhor preço-benefício que já tive em uma leitura. Apenas quatro reais para aproximadamente 140 páginas. E boas páginas. Escrito por Marcel Bursztyn no idos do ano de 1998, esse livro, parte da coleção organizada pela Editora Universidade de Brasília "Contemporâneos do Futuro", tem a pretensão de ser, ao mesmo tempo, uma biografia resumida do agora Senador, na época do livro Governador, e, principalmente, desde os 12 anos, professor Cristovam Buarque e um bom apanhado do que este pensador já fez em matéria acadêmica. Digo matéria acadêmica porque me foge palavra melhor; poderia também dizer o que Buarque fez como construtor de conceitos. O autor, Marcel Bursztyn, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UNB, foi presidente da CAPES durante o período de Ministro da Educação de Buarque.

A estrutura do livro é bastante fluida, realmente gostosinho de ler, tanto que o fiz, na maior parte do tempo, dentro de um ônibus, a caminho do estágio. Expõe a vida do biografado como uma árvore, tendo raízes, broto, tronco, ramos, frutos e sementes. Mostra-nos o caminho de Buarque até os estudos na Europa e sua volta. Também nos é muito feliz em mostrar os principais conceitos do autor, mesmo que de forma extremamente simplificada.

Vejo que o principal ponto positivo é nos fazer entender melhor um dos mais bem avaliados parlamentares brasileiros. Alguém que acredita que

Mudanças de regime político ou de governo não devem implicar a demolição nas estruturas do Estado. Estas são passíveis de transformações, mas atacá-las em seu caráter perene, causando descontinuidade, é uma manobra de alto risco. Nesse sentido, um Projeto para o Brasil, hoje, deve ter em conta o estado real das nossas instituições, e não partir do princípio de que elas devem ser desmanteladas.

Antes admirador, agora sou fã desse plantador de abobrinhas, lembrando que, quando Darcy Ribeiro proferiu sua já célebre conferência Universidade Pra Quê? quem estava ao seu lado na mesa era o Reitor Buarque, que, "quando crescesse gostaria de ser Darcy Ribeiro".

Um dos grandes conceitos que levo o do livro é que ao invés de propormos distribuição de renda, devemos é promover a distribuição de oportunidades. Seu passo em relação a essa idéia foi o bem fadado (e hoje meio descontextualizado) Bolsa-escola, um programa social que divide a responsabilidade do governo com o beneficiário, ao ter este que manter o filho na escola.

A mudança da Modernidade Técnica para a Modernidade Ética, temática que deve estar presente nos estudos do CDS e do CEAM, ambos departamentos transdisciplinares criados em sua reitoria, nos leva a pensar também em uma outra forma de mensuração do sucesso de uma nação. Sai PIB, entra um medidor capaz também de avaliar aspectos sociais. Enxergo o IDH e o índice de Gini como algo parecido com a proposta (devemos lembrar que o livro é de 1998).

Acho também muito válidos os quadros do livro, que reproduzem as idéia do livro A revolução nas prioridades, de 1994. Reproduzo aqui dois deles:

Dez Erros da Modernidade Brasileira
I. A implantação de uma política de substituição de importações de bens industriais, sem modificação na estrutura de propriedade de terra e no produto da agricultura, que continuou baseada em latifúnidos voltados para as exportações;
II. A industrialização com base em uma opção por técnicas desadaptadas aos recursos naturais, às características culturais, às necessidades sociais e ao potencial econômico do Brasil;
III. A ditadura;
IV. A concentração de renda;
V. O endividamento;
VI. A ênfase nas exportações, no lugar da construção de um mercado interno;
VII. A prioridade à infra-estrutura econômica, com abandono da infra-estrutura social;
VIII. a cartorização, a corporativização e a concentração econômica;
IX. A implantação de um sistema de produção do saber e de comunicação social voltados aos interesses individuais, à dinâmica do mercado e à alienação cultural, sem compromisso educativo nem sintonia com a cultura nacional;
X. a democratização política não acompanhada de mudanças nas prioridades socioeconômicas.


As Dez Prioridades que Mudariam o Brasil: o caminho da modernidade técnica para a modernidade ética
I. Uma população educada e culta
II. Um país sem fome
III. Não se morrer antes do tempo e viver com saúde
IV. Modernização da cultura, no lugar de cultura da modernidade
V. Ciência e tecnologia a serviço da modernidade
VI. Sustentabilidade ambiental do desenvolvimento
VII. Ocupação descentralizada do território e cidades sustentáveis
VIII. Eficiência econômica aferida por indicadores de qualidade de vida
IX. Resultados sociais como determinantes da ação do Estado
X. Política externa independente, garantindo a soberania nacional.


Partes muito interessantes foram as mostras do caminho de Cristóvam tanto para a Reitoria como para a Governadoria do Distrito Federal, suas dificuldades e inovações.

Dessa forma, dou notinha 9,5 para esse pequeno livro, quase um folheto, que tem como propósito apresentar esse grande Brasileiro, que, como bem me lembro, nas eleições presidenciais de 2006, ao ser indagado se era um candidato de uma só bandeira (a educação) responde: Sim, sou de uma só bandeira, a bandeira do Brasil!

Termino esse texto com uma fala do próprio Cristovam:

Cada pessoa é a soma das respostas que deu, ao longo de sua vida, às perguntas que lhe foram formuladas. O sucesso depende dos acertos nas respostas. Mas os homens que mudam o próprio destino são aqueles que não se limitam a acertar respostas, mas também criam as próprias perguntas certas para o momento

Gilberto G

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Bem Jurídico-penal e Constituição, de Luiz Regis Prado

Não posso nunca me esquecer que sou um estudande de Direito. E, mesmo de greve, isso se traduz no fato de que leio livros jurídicos. O primeiro, e único deles, por enquanto, é Bem jurídico-penal e Constituição, a partir de agora BJPC, de Luiz Regis Prado. O lado ruim é que, pela impessoalidade, e certo anonimato do autor e do assunto, acabo não tendo um epíteto para ele. Deplorável, mas enfim, que haja seqüência.

BJPC foi escrito como etapa para a seleção de professor titular em uma Universidade no Sul do país. É uma atitude respeitável essa, a de um concurso público exigir a contribuição do professor para a entrada em seus quadros. Li o livro como recomendação e pré-requisito do Fredão, famoso professor de Teoria Geral do Direito Penal aqui da excelsa Universidade de Brasília.

Dá as bases introdutórias para a Ciência Penal, tentando conceitualizar bem jurídico dentro de um contexto ao mesmo tempo penal e constitucional. Leva em consideração a evolução histórica do termo e de como, com o passar do tempo, o bem-jurídico penal vem tamando seu escopo cada vez mais em matéria constitucional. Assim, os bem jurídicos penais, mesmo sendo, a priori, observados na realidade, têm sua base material na Constituição, contemporaneamente mãe de todos os códigos sistematizados.

Sigo o conceito objetivista de Wenzel, transposto na obra, que considera bem jurídico aquele

bem vital da comunidade ou do indivíduo, que por sua significação social é protegido juridicamente

Acompanhando Regis:

Os bens jurídicos têm como fundamento valores culturais que se baseiam em necessidades individuais. Essas se convertem em valores culturais quando são socialmente dominantes. E os valores culturais transformam-se em bens jurídicos quando a confiança em sua existência surge necessitada de proteção jurídica.

Outro ponto interessante do livro, que é brevemente abordado pelo autor, são as diferentes funções do bem jurídico, o que por tabela, acaba por abarcar, de certa forma, as funções do Direito Penal:

Função de garantia ou de limitar o direito de punir do Estado, Função teleológica ou interpretativa, Função individualizadora, Função sistemática.

Outra questão, que fecha o livro, é a de que, após a Revolução Francesa, e, principalemente, com o advento do constitucionalismo contemporâneo, o Direito Penal surge não mais como a mão forte do Estado, cuja função é a de limitar o indivíduo por meio de normas ditadas pelo Soberano. A função penal hodierna é, segundo as palabras de PRADO, é de, muito antes de garantir um suposto direito subjetivo de punir do Estado, garantir o usofruto dos bem-jurídicos por parte dos indivíduos.

Enfim, encerro por aqui a resenha, que dessa vez foi muito mais um resumo, já que me sinto incapaz de tecer opiniões sobre um assunto sobre o qual tenho tão pouca formação, e ainda sobre um tema escrito por uma autoridade no assunto. Nota 7,5, leitura fluente, mas por muitas vezes muito superficial, sendo que havia espaço para aprofundamento.

Gilberto G.

Morro dos ventos Uivantes, da inglesa monotítulo

Após uma grande ausência, aqui vai mais uma resenha. Se trata do livro Morro dos Ventos Uivantes, Wuthering Heights no original, a partir de agora MVU, da inglesa Emily Brönte. Sim, antes que perguntem, só peguei o livro pra ler porque ele é "o livro favorito da Bela de Crepúsculo" (não que eu seja um fã de Crepúsculo, mas convenhamos, é tão difícil a cultura pop fazer referência a alguma coisa que presta que tive que me render). A autora, como nos mostra a introdução do livro, cuja primeira tradução brasileira é de Raquel de Queiroz, nossa primeirA imortal, tem uma história tristinha, sofrida e tals, e usou sua própria desgraça para dar alguns tons na obra. Enfim, nada original, mas muitas das nossas maiores obras-primas são feitas desse jeito, fazer o que né?

A história é sobre um monte de gente com nomes muitos parecidos. Entre Catherines, Heathcliffs, Lintons e Earnshawns, só resta a confusão. Mas no fim das contas é o seguinte. Catherine "the first", a Earnshaw, é apaixonada por Heathcliff, o fodão que era grosso acanhado e, quando grandão, quer se vingar dos Linton, cujo representante Edgar se casa com Catherine. Enfim, daí pra frente é uma confusão de famílias e de gerações, desgraças após desgraças, "numa das mais belas histórias de amor já escritas"...

Creio que uma das coisas interessantes no livro é o rodízio de narradores. É um artifício que só contemporâneamente vem sendo mais usado, e que Brönte usou, ainda que desajeitadamente. O narrador-mor, digamos assim, Mr. Lockwood, é um outsider da história, inquilino do Heathcliff, que ao conhecer Ms. Nelly Dean, espécie de governanta tanto de Trushcross Grange e Wuthering Heights, paradas de onde se narra a história, pede que ela lhe conte a história do seu estranho locador. Daí tem-se que Ms. Dean é a real narradora da história, já que Lockwood apenas reproduz suas palavras. É uma forma interessante de se obter uma pretensa imparcialidade no narrador.

Sobre passagens admiráveis no livro, pora minha ingrata surpresa, não são lá muitas, já que o livro se perde muito em passagens deploráveis e diálogos volumosos mas pouco densos. Aliás, essa é uma característica que creio ser presente nos livros da época, em que a leitura já era razoavelmente difundida e não havia outro modo de comunicação mais rápido: a prolixidade.

Vou-me dirigindo ao fim. Esse livro, que foi lindo em boa parte do tempo dentro de um ônibus, nunca entraria numa lista de TOP 10 do ano. É um romance quase que como qualquer outro, só que baseado na desgraça de seus protagonistas. [SPOILER} O grande problema é que, quando vamos nos dirigindo ao desfecho da história, já calejados de tantes desventuras e de tanta maldade acumulada nos coraçõezinhos de pedra dos malfeitores, eis que acontece o bem. O malvadão morre pra ficar com sua amada defunta e mocinha-que-havia-perdido-tudo-por-casar-com-o-primo-filho-do-vilão-que-morre-jovem fica com seu primo-grosso-que-foi-criado-pelo-vilão-depois-de-seu-pai-irmão-da-primeira-Catherine-morrer. Em outras palavras, amargamos por volta de 260 páginas de mais absoluta tristeza para passar por 30 de mais bela felicidade. Tenha dó.

As notas, claro. Dou 5,5. Já disse, apesar de clássico, não me empolgou. Não chego a reprovar o livro ou desaconselhar a leitura. Mas certamente não seria um dos que prontamente indicaria. É um romance desgracento maçante sobre personagens frustrados com tudo e com todos. A tempo, adoro Nelly Dean com todo o seu "queria estar fazendo o bem para todos mas só faço cagadinha".

Gilberto G.

Triste Fim de Policarpo Quaresma, do Mulato pré-Modernista

Enfim, farei uma breva análise desse romance que é considerado a obra-prima de Lima Barreto, o tal mulato prá-Modernista. Autor o qual me interessou bastante, se aproximando, no seu realismo, só que de um jeito um pouco mais ácido, de Machado de Assis. Me deu vontade de ler a sua sátira "Os Brazundungas".

Triste Fim de Policarpo Quaresma (a partir de agora, TF) conta a história do "major" Quaresma, funcionário público que, desde a mocidade, tem idéias patrióticas, mas que, apenas em idade mais avançada, por volta dos seus 50 anos, começa a tentar pô-las em prática.

Para tal expediente, utilizou-se de três projetos. O primeiro, rechaçado e com o qual receberia sua (má-)fama, é a petição ao Congresso com o fim de que se tenha o Tupi como língua oficial brasileira. Pela primeira vez é mostrada a determinação de Quaresma, que chega mesmo a aprender tal língua. Foi essa idéia que culmina com a sua internação em um hospício.

Não é só a morte que nivela; a loucura, o crime e a moléstia passam também a sua rasoura pelas distinções que inventamos.
Hoje em dia teria minhas dúvidas em incluir o crime e a moléstia...

O segundo projeto, o sítio Sossego, após início empolgante por parte de Quaresma, é atacado por formigas e pela falta de fertilidade. É abandonado por Quaresma quando do acontecimento da Revolta da Armada, que acaba por datar o romance, mas não de uma forma determinante, já que o sentimento de Quaresma não é um sentimento exclusivo daquela época. Aliás, muito do que Lima Barreto escreveu no começo do século passado pode ser transcrito para os dias de hoje sem que haja uma grande defasagem nos sentimentos, principalmente no que concerne ao Estado e aos serviço público.

o terceiro projeto é justamente lutar por Floriano Peixoto na revolta da armada. mais uma vez é visto sua determinação nos estudos militares, já que o major se devia mais a uma brincadeira do escritório em que servia, no exército, do que de fato a sua posição hierárquica naquela instituição.

Enfim, o final da história é realmente triste (doh, tá no título), e nos dá uma nota de pessimismo. vai de encontro àquele papo de que se você quiser com muita vontade e fizer por merecer acontecerá. Não é isso que acontece. O que acontece é que, momentos antes de ir para o fuzilamento, Quaresma vê como foi tolo por toda a sua vida, por ter dedicado sua vida a um conceito tão abstrato quanto é o de nação (me lembrou até do livro de Hobsbawm que vimos hoje na Cultura).

E era assim que se fazia a vida, a história e o heroísmo: com violência sobre os outros, com opressões e sofrimentos.

Entretanto, vê-se em TF no que pode ocasionar um patriotismo exarcebado, assim como outros sentimentos exarcebados também pode levar à ruína. É necessário se fazer uma distinção entre orgulho e interesse em sua terra natal, ao seu berço de nascimento, do patriostimo fanático. Diferenciar raiz do resto da planta. Creio que não erraria se dissesse que o principal erro de Quaresma foi confundir a pátria com que a dirige. Ou, mais além, confundir a pátria com o seu povo, ou, ao menos, com o estereótipo idealizado ou com o estereótipo "desidealizado".

Enfim, apesar do "sofrimento" para conseguir passar as últimas páginas, e de um e outro termo um pouco mais antigo, temos em TF uma leitura até que aprazível, utilizando-se de boas referências históricas (hoje, já que era o que acontecia à época) para a construção do enredo, assim como metáforas que se utilizavam de obras importantes da literatura. Texto recomendado para quem se interesse pelo Brasil do começo do século passado. Nota? 8. MS médio.

Gilberto G.

A Flor da Inglaterra, do romancista anticapitalista anticomunista inglês

A Flor da Inglaterra (ou Keep the aspidistra flying, no original) é o livro da vez. Enfim, foi escrito por George Orwell, aquele romancista e ensaista inglês que virou anticapitalista, pra depois enxergar que o comunismo também não prestava. A Flor da Inglaterra é um romance que, apesar de tocar nesse assunto, não faz dele o seu ponto principal. Aliás, a grande pergunta que eu deixo aqui, qual é o ponto principal de A Flor da Inglaterra (a partir de agora, KAF)? Eu tenho duas teorias, um dessas em que acredito mais do que a outra.

A primeira teoria é a de que em KAF Orwell realmente tentava mostrar como seria a vida de alguém que travasse o que ele chamou de "Guerra contra o dinheiro", embora não veja o que Gordon Comstock, o vendedor/publicitário/poeta protagonista, fez como uma real "guerra contra o dinheiro". Essa tal guerra era travada com as mesmas armas contra as quais Gordon estava lutando. O poeta simplesmente se dizia contra o dinheiro, mas usava e, sempre que podia, o esbanjava. Creio que o que Gordon fazia está mais para um delírio depressivo contra qualquer possibilidade de sucesso do que contra uma guerra contra o dinheiro. Esta, inclusive, que chegava a ser vista com bons olhos pelo "socialista de balcão" Ravelston. Este, rico, que sustentava Gordon quando este estava em apuros. Uma saraivada de hipocrisia, tanto por parte de um quanto de outro.

Minha segunda teoria diz que o ponto principal de KAF é até onde a teimosia de um homem pode chegar, mesmo quando fundada por algum argumento irracional. E digo que esse argumento é irracional porque, mesmo que Orwell tenha se esforçado para traçar os "antecedentes" de Comstock, estes não chegam a justificar as atitudes da personagem, no máximo, tentam explicá-las. E vejo a teimosia em todos os aspectos do livro. Teimosia de Gordon, em não querer um emprego "bom", pelo simples medo de se tornar alguém comum; teimosia de Rosemary, por não querer ser decisiva na vida de Gordon (o que só alcançou quando a situação fugiu de seu controle); teimosia de Ravelston, de continuar negando sua riqueza em prol de um ideal sem grandes perspectivas na Inglaterra do entreguerras, e de continuar "ajudando" os "sanguessugas" que faziam "contribuições" para a Antichrist.

A romance, além de tentar suscitar essas discussões, tem um começo interessante, um meio quase que empolgante, e um final que simplesmente está lá para terminar o livro. Quando achamos que algo de realmente diferente vai acontecer... acontece. O problema é que é justamente o que vem se projetando a acontecer o livro todo. E Orwell, meio que já de "saco cheio" do livro", escreve suas últimas 50 páginas utilizando um tema totalmente novo, apenas com o fim de terminar o livro e mostrar que, numa junção das duas teorias que acima expus, a teimosia do homem perde contra a "guerra contra o dinheiro".

Em fim, de leitura agradável, por vezes repetitivas, mas não a ponto de cansar o leitor, KAF é uma boa pedida para leitura nas férias. Um romance que se propõe a levantar algum tema, ainda que não tenha tido muito sucesso em fazê-lo desenvolver, já que os argumentos são os mesmo por toda a narrativa. Fica aquém, por exemplo, de 1984, do mesmo autor, que tem uma aura de thriller, mesmo não o sendo, que prende o leitor do início ao fim (sim, li 1984 de uma vez só, comecei umas 20h da noite e fui terminar pra lá de 4h, 5h da manhã). Dependendo do interlocutor, uma conversa sobre o livro pode levar longe, mas sempre ultrapassará os argumentos e fatos nele exposto. De 0 a 10? 7,5, passa tranquilo, mas, com certeza, não vai ser um dos "primeiros da turma".

Gilberto G.

Fahreinheit 451, do vencedor do Nebula

É, o título é novamente proposital, mas eu realmente gostei dessa forma de escrever ele. Um vencedor do Nebula na biblioteca pessoal de fraulein Hedler! Ah sim, se é que vai aparecer um terceiro leitor desse texto, Nebula é um prêmio para o melhor escritor de ficção científica nos Estados Unidos. É tipo, wow, massa, legal! Não sou O leitor de ficção científica, mas tenho meus lidos. Alguns contos sobre robôs e "um livro e meio" da triologia Fundação, do broderzíssimo Asimov (que esteja nos céus, prometo que termino sua trilogia algum dia). Apesar de vencedor do Nebula (o autor, não livro), não encararia Fahrenheit 451 como um livro de ficção científica puro e simples. Ele é muito mais do que isso. Entra na seara de outro tipo de livro que gosto muito: Utopias e, principalmente, distopias!

É, novamente, outro tipo de livro que gosto muito, apesar de não ter aí uma leitura muito extensa. Li apenas o 1984 do (mais do que) camarada George Orwell (leitura da vez, inclusive, A Flor da Inglaterra ((porque "aspidistra" pra nome de flor é sacanagem mesmo))) e a mãe de todas, Utopia do mano Thomas More (tipo inglês de oferencendo mais bebida: "Acabow sew whisky? Thomas More!). Talvez tenha lido alguma coisinha mais, mas não me lembro agora. Mas o que me agrada em utopias e distopias? Foi o que já disse antes. Elas conseguem, por muitas vezes, assim como as ficções científicas, expressar de forma mais clara os anseios e aspirações de determinada geração. Dificilmente lerei algo mais fascinante do que sci-fi dos anos 50, no pós-guerra. É uma mistura de esperança por tempos melhores com o medo da onipotência das máquinas.

Fahrenheit 451 entra aí como uma distopia com poucos elementos de ficção científica. Tirando o sabujo e um ou outro "eletrodoméstico", R. Bradbury "viajou" muito pouco "na maionese". O mundo descrito por ele, fisicamente, digo, muito pouco difere daquele em que viveu enquanto escrevia o livro, no finalzinho dos anos 40.

O motor da distopia em Fahrenheit 451 é um mundo, digo, um Estados Unidos (egocentrismo ianque pós-segunda guerra é fogo...), em que os bombeiros, ao invés de apagar incêndios (sim, o mundo de Bradbury não pega fogo!), queima livros. Livros esse que, como explica o autor, ou melhor o professor Faber, deixaram de serem lidos por iniciativa da própria população. O governo embarca nessa onda, proibindo um número cada vez mais de livros que "ofenderiam as minorias", acabando fazendo que quase nenhum livro tenha sua leitura permitida.

Destaco aqui um artifício que também foi usado por George Orwell em 1984. Sua distopia é dual. Há dois "mundos". Um que vive numa caixa-forte, isolado do outro mundo, que, em geral, vive em miséria e, por vezes, com inveja e dominado pelo "mundo caixa-forte (des)ideal". Esse é um artifício que causou um dos poucos pontos de incômodo que tive com o livro. Embora num contexto de guerra dos EUA "ideal" com o resto do mundo "marginal", Bradbury não se preopuca, assim como Orwell, esse em menor medida, em descrever esse mundo marginal. E isso desemboca no fato de o protagonista, "subversivo" dos valores (ou da falta desses) do mundo ideal tentar contato com um mundo diferente, por vezes o mundo "marginal". Seguindo uma leitura que eu fiz em Sociologia Jurídica semestre passado (ou seria retrasado? essa passagem de semestres é meio confusa), acontece que é o colonizador que toma ares libertários. É o colonizador quem vai até o colonizado e vê como este é miserável, ou, ainda, admirando a "simplicidade" (miséria mesmo) na qual vive esse colonizado. Lembrei agora que tem um filme que se encaixa muito bem nisso também, o Blade Runner. A "iluminação" de que vive em uma distopia sempre vem de cima. Em geral, nesse tipo de livros, a ação libertária nunca vem de baixo.

Uffa, acho que me empolguei demais aí em cima. Outro ponto agora. Não creio na possibilidade dum mundo do modo descrito por Ray (not Charles) Bradbury. Um mundo sem livros, mas com a circulação de outras formas de mídias, não acabaria naquela bagaceira toda que ele descreve. Mas é aí que temos que prestar atenção na pegadinha da história. Fim da década de 40 é perto do auge do cinema é pertinho pertinho do advento da televisão, já descrita por Bradbury, inclusive em 3d, 4d, pelas paredes de Mildred. O advento de um novo tipo de meio de comunicação sempre vem com as suspeitas de fim de outro. A história nos tem mostrado que isso não é muito acertado; rádio e jornal continuam circulando por aí.

O que vejo no romance é uma supervalorização do livro como forma de se manter idéias e ideais "intactos". Enfim, não creio que apenas os livros tenham potencial de realizar essa tarefa, embora, decerto, seja o melhor meio para tal fim. Televisão e rádio podem sim serem portadores de "idéias e ideais".

Enfim, temos que ver a crítica de Bradbury por outro ângulo. Não é apenas o fim dos livros que leva a essa bagaceira toda. A crítica de Bradbury, no fundo mesmo, pelo menos pela minha interpretação, é à crescente massificação dos clássicos. Não coloco "massificação" aqui como o movimento de se tornar mais popular, ou de ter acesso a quem antes não tinha. Digo massificação como idéia de tornar "idéias e ideais" em massa. Massa descartável, ainda por cima. E a idéia de resumos cada vez mais resumidos de livros e de informações (ironia: eu recomendar esse livro via twitter). Inclusive, o trecho que eu mais gostei da edição que li foi o que o autor chama de Coda, que, após o posfácio, dá as idéias gerais na forma de crítica mesmo, sem todo o jogo de metáforas do romance.

Pra ficar com uma criticazinha. Montag não convence muito como protagonista não. É meio fraco e sem vida. Talvez seja a intenção do autor, retratando a fraqueza e palidez do homem daquela "distopia". Mas ainda assim, Faber e Clarice, mesmo em sua simplicidade e na covardia daquele, empolgam muito mais.

Em fim, não me prolongo muito mais. Apesar da historinha meio xoxa, a idéia por trás dessa distopia é fascinante. Algo que realmente me pôs pra pensar. E tem toda a satisfação de ler um Nebula com idéias como essa. Ficção científica sem ficção científica dá em distopia. Eu colocaria, em caminha contrário, Frakenstein, que é uma distopia sem distopia que acaba em ficção científica (the first of all! Dá-lhe Maria Xeli, Go go go Mary Shelly). Livro pequeno, leitura rápida (um dia), pensamentos fervilhantes. De 0 a 10? 9. É, tá quase lá...

Gilberto G.

1808, do jornalista da Veja

Novamente, título proposital. Assim como em O Símbolo Perdido, o principal atrativo da obra é o seu autor. Entretanto, ha a diferença mais que marcante de estar muito mais bem situado temporalmente que o livro de Dan Brown. Laurentino Gomes, em uma sacada editorial poucas vezes vista para um autor brasileiro (é só ver a lista de mais vendidos, 5 livros de Stephanie Meyer, "eu tenho medo"), se aproveitou dos duzentos anos da vinda da família real portuguesa para o Brasil para lançar seus escritos sobre o tema. Mas, no final das contas, o livro só teve a projeção que teve pelo esforço da Editora Abril (que publica Veja) em divulgar o filho de um de seus empregados mais influentes (Gomes já fora editor de Veja).

1808 é um livro sobre história que se pretende (ou não, como tenta mostrar o autor) um livro de História. Em minha humilde opinião, 1808 não pode ser considerado uma ótima referência sobre o assunto para o estudo da História. Entretanto, cumpre muitíssimo bem o objetivo que seu autor diz se propor: divulgação científica (o nhenhenhé se História é ou não uma ciência a gente deixa para uma outra hora). A grande bronca que eu tenho sobre o livro é que, tendo tido bons professores de História no seu ensino médio, você já sabe pelo menos 70% do que está escrito no livro. O restante é composto de números e algumas informações menores, petit histoire, como diria um querido professor meu (sim, o Ibsen). Porém, uma outra grandiosíssima qualidade do livro é a transparência das referências bibliográficas, que se constituem um tesouro dentro de um livro que não supera em muito o comum.

Passando para aspectos mais formais, creio que esta confirma o que disse sobre este livro ser sobre História. Capítulos curtos, sem muita comunicação entre um e outro, sobre assuntos nucleares. Bem ao estilo divulgação científica. Entretanto, é essa forma mais simples que se mostra uma grande qualidade do livro, facilitando, e muito, sua leitura, que chega mesmo a ser gostosa, por vezes envolvente.

Quanto ao conteúdo, embora as comparações com números e a necessidade, satisfeita, de se dar uma panorama histórico geral da época, a parte que realmente nos envolve é o petit histoire. L. Gomes, apesar de usar com certa abundância desse recurso, no que vejo, não o abordou em sua completude. O ponto alto do livro são os relatos dos estrangeiros sobre o Brasil, como o de Maria Graham e Chamberlain, por exemplo.

Mais um ponto de crítica: os "caderninhos" de pinturas da época. É uma coisa meio que particular minha, mas eu realmente não gosto deles. Gosto das pinturas, gosto (ou não) do conteúdo do livro. Mas o problema é que, pela diagramação e a diferença do tipo de papel e tals, o tal "caderninho" fica escafurunchado no meio dos capítulos, interrompendo a leitura. Estabelece-se aquele momento de tensão: "Céus! Continuo a leitura ou paro para ver as figurinhas?". Problema menor, que só um chato mesmo repara.

Ponto positivo. L. Gomes quase nos convence que D. João VI foi um grande estadista. Creio, inclusive, que um dos grandes objetivos dele era "vingar" essa personagem histórica de todas as caricatruas já feitas dele por aí. Outro ponto positivo é a narrativa de Gomes em alguns pontos. Chega a se aproximar de um thriller histórico (se eu estiver viajando muito pede para eu parar), passando em "excitação" o miolo do Símbolo Perdido. É a gostosa sensação de, apesar de você saber toda a história, se torcer para um dos lados. No meu caso, a torcida era pra que D. João VI metesse o foda-se pra Portugal e funda-se um Império no além-mar. Enfim, não preciso contar que isso não aconteceu né?

Ponto ridículo. Os dois últimos capítulos do livro. Como é sugerido pelo próprio L. Gomes, o livro poderia, com certeza, passar sem isso. Muito legal da sua parte fazer uma descoberta histórica e tals, mas por favor, escreva uma paper e manda para alguma revista de história. Minha intenção em ler 1808 não é saber se o "Arquivista Real" (musiquinha de grandiosidade ao fundo) [SPOILER, aff] teve ou não uma filha fora do casamento [fim do SPOILER].

Uma das perguntas que eu me fiz durante a leitura do livro é se eu, como um (suposto) professor de História sugeriria (ou forçaria mesmo) a leitura desse livro para meus alunos. Quase que fico no inconclusivo. Mas no fim das contas, eu realmente acho que faria uma ou outra menção em sala de aula e deixava por isso mesmo. Que a curiosidade de cada um impulsione as suas leituras. É um bom livro para dar um "showzinho" na aula, mas não vai muito além disso.

Em fim, 1808 trata-se de uma grande colcha de retalhos, muito bem retalhada, diga-se de passagem, de outros grandes livros sobre o assunto. Tanto que os pontos altos do livro são praticamente todos trasnposições (não é essa a palavra, se conseguir a que quero antes de terminar o post eu troco) de outros autores. Tem-se a tentativa de fazer um livro "bonitinho" com as figurinhas (que deve ter encarecido o livro uns 2 ou 3 reais). Não é profundo; e nem o deveria ser. Como já dito acima, 1808 faz um grande serviço de divulgação científica da história do Brasil (ainda mais com o impulso da divulgação...), e faz esse papel quase que com brilhantismo. Assim como Símbolo Perdido, 1808 não é livro no qual se pira em cima, mas também não é essa a proposta. Leitura fácil e agradável. De 0 a 10? 8. Passa com grande folga, mas não chega a ser genial.

Gilberto G.

O Símbolo Perdido, do autor de O Código da Vinci

Sim, o título foi proposital. O principal atrativo de O Símbolo Perdido é ser a "seqüência" do Código da Vinci. Embora, como já aconteceu entre Anjos e Demônios e a segunda "aventura" (momento locutor da Sessão da Tarde) de R. Langdon, não seja necessária a leitura prévia dos outros livros para a compreensão deste, já que as menções às "peripécias" passadas de Longdon são quase nulas.

No mais, a principal característica do livro é ser um livro de Dan Brown. Segue, com uma disciplina assustadora, a receita que fez o seu autor ser um dos mais bem sucedidos da década. Aliás, eu acho que o D. Brown usa o mesmo programa de computador para escrever seus romances que os autores de novela da Globo. Na minha fantasia, esse grupo de "escritores" preenche um formulário respondendo às perguntas pré-programadas de um computador, e, puff!, está pronta a história.

Temos em O Símbolo Perdido (SP, como o mencionarei a partir de agora) a mesma receita dos outros 2 livros que envolvam o professor Robert Langdon. Ele é atraído para algum lugar cheio de mistério e de simbolismos. Ele é "forçado" pro sua "bravura e caráter" a desvendar todos os mistérios para salvar algum "amigo próximo que muito o ajudou na carreira". Ele é auxiliado por alguma "gostosa de meia-idade" (ou nem tanto, seja o gostosa, seja o meia-idade) que também é fera em simbolismos ou em qualquer outra área que venha a ajudá-lo e que tenha algum vínculo com o "amigo próximo que muito o ajudou na carreira". Ele é cético, mas, ao desvendar "todos os mistérios da humanidade", acaba dando o braço a torcer. Ele luta contra (ou a favor) de alguma "seita super secreta fodona que esconde o maior segredo da humanidade". O vilão é alguém esdrúxulo (albino? tatuagens? polícia francesa? FBI? Aliens? Pode escolher à vontade!).

As novidades, ou, como eu prefiro, as perguntas que Brown respondeu para escrever SP são ambientadas em Washington D.C., a cidade criada pelos "pais fundadores dos Estados Unidos da América". Uma bala para quem chutou que Brown sugere que esse grupo de pessoas legais faziam parte da "seita super secreta fodona que esconde o maior segredo da humanidade". Aliás, a bola da vez é a Francomaçonaria, que Brown nega como secreta (afinal de contas, as lojas maçônicas têm plaquinhas e tudo), mas sim como uma sociedade com segredos. Enfim, tanto faz.

O vilão esdrúxulo é um cara tatuado com o nome de Mal'akh, ou, como eu fazia na minha "leitura mental" Malaco mesmo. Enfim, seguindo o roteiro, o vilão vai se mostrar como alguém muito próximo do enredo principal, tentando fazer uma surpresa (tentando, porque já dá pra sacar na metade do livro quem é). Dá pra por o FBI como vilão super esdrúxulo, já que para uma agência daquele tamanho não tem a capacidade de deter um professor de simbologia de Harvard, só na esdruxulidade(?) mesmo.

A sim, a "gostosa de meia-idade". Enfim, é uma cientista maluca que é irmã do megabilionário ("amigo próximo que muito o ajudou na carreira"). (Aew! Cordas do Any other world! fantástico) O que Brown tenta nos empurrar guela a baixo nesse (Oh! Billy Brown!) romance é a veracidade da ciência noética e uma relação entre a ciência moderna (eu diria contemporânea, mas enfim...) e a antiga. Balela. Eu diria que, para estar up-to-date mesmo, SP deveria ter sido publicado uns 3 ou 4 anos antes, quando a febre do Segredo e do Quem somos nós? estava em alta. Sim, vergonhosamente, o mesmo R. Langdon que desbravou os mistérios da religião se mete agora em auto-ajuda pseudo-baseada em fatos científicos. Fazer o quê...

É, acho que não dá pra ir muito longe nessa análise não. O livro é pobre. A escolha de Washington D.C. para cenário não é das mais felizes. Apesar de todo o aspecto "mítico" dos "pais fundadores" e todo aquele blábláblá, a cidade não empolga da mesma forma que um Vaticano ou uma Paris da vida. Danny Brown (oh Danny Brown) também comete o pecado de se perder no meio do livro. Enquanto o seu romance de estréia Ponto de Impacto peca por demorar demasiadamente para começar de verdade, SP peca por perder o fio da meada. O enredo implora um fim lá pro fim das páginas 200, mas Brown (provavelmente pressionado por alguma meta de tamanho, ou por "mistérios" de Washington D.C. a serem desbravados) insiste em enfiar entulho na história, chegando a impressionantes quase 500 páginas.

Em fim, creio que estou sendo um pouco rígido demais. O livro cumpre bem sua função de entreter, de passar o tempo, com uma boa história policial que tenta ensinar sobre alguma coisa "secreta e/ou mística e/ou simbólica". Enfim, de 0 a 10? 5,5. Passou com uma folguinha...

Gilberto G.