quarta-feira, 14 de abril de 2010

Olhai os Lírios do Campo, do Narrador Gaúcho

Já terminei o livro há quase uma semana e ainda não tinha conseguido juntar a vontade de escrever com a disponibilidade para tal atividade. A vontade de escrever não chegou propriamente dita, mas está mais do que na hora de escrever, senão a experiência fica muito distante e se perde as impressões mais superficiais.

Mas o que posso dizer sobre um livro da família Veríssimo? Olhai os Lírios do Campo é o livro que colocou o nome dessa gaúcha família no mapa da literatura brasileira. apesar de não ser o livro de estréia, foi o que permitiu, como Érico Veríssimo inclui em um dos prefácios, a obra que o permitiu "encarar a literatura como profissão".

Olhai os Lírios do Campo, a partir de agora OLC, não é o primeiro livro de Veríssimo que leio. Minha primeira experiência com o autor foi com Incidente em Antares, livro que li por causa do PAS 3 (que acabei nem fazendo por ter passado no vestibular antes, mas enfim). Foi uma experiência incrível. Apesar de por vezes enfadonho e demorado, Incidente em Antares nos expõe um ponto de vista gaúcho dos principais acontecimentos da história brasileira de mais de meio século. Isso tudo sem falar nos mortos-vivos, que novamente entram na moda com a publicação do mash-up Orgulho e Preconceito e Zumbis. Enfim, o motivo do post não é Incidente em Antares, livro que super recomendo, aliás, mas sim Olhai os Lírios do Campo.

As primeiras impressões do livro não são lá as melhores. Numa narrativa que, no início do livro, não é bem utilizada, mas que no final da primeira parte se mostra ideal, ficamos em uma prosa em dois tempos. A primeira narrativa é sobre as experiências passadas de Eugênio, nosso anti-herói, pelo menos na primeira parte do livro (sim, o livro é dividido em duas partes, separadas por um acontecimento vital para a história, a morte de Olívia). Já a segunda narrativa é o "presente", no caminho de Eugênio para o leito de morte de Olívia. A segunda parte do livro consiste na vida de Eugênio após esse episódio.

Mas enfim, como mostra do estranhamento do começo do livro, coloco aqui dois trechinhos bastantes esquisistos, principalmente num livro que se propõe de crítica social e romântico ao mesmo tempo. É uma realidade que o autor poderia ter deixado para depois:

Entre o seu corpo e o objeto de seus sonhos fogosos erguia-se o castigo dos professores e, ainda mais assustador, o castigo de Deus. A verdade, porém, era que nada disso conseguia apaziguar-lhe os apetites, que ele saciava solitariamente, no silêncio do quarto, cheio de medo, de vergonha e dum trêmulo e ansiado prazer.

Eugênio odiou a natureza. Ela não tinha pudor de amar assim abertamente, de gritar seus pensamentos libidinosos em plena luz do sol. Procurou afastar dela a atenção, como quem desvia o olhar duma gravura obscena.

Porém, com o andar da história, os ponteiros acertam o ritmo, e o que nos mostra é um protagonista que, na maior parte do tempo, é movido por sentimentos maus (sim, é meio piegas mesmo). Alguém que quer subir apenas por pura vaidade. Ou melhor, por insegurança.

Sim, ter sucesso por insegurança. Esse é o ponto do livro no qual muito me idenfiquei com Eugênio. A leitmotiv de sua vida é a insegurança. É esta que gera a vergonha e a ambição desmedida. É essa que faz com que Eugênio tome decisões erradas, que se tornariam indeclinavelmente em arrependimento. É também a insegurança que leva Eugênio, na segunda parte da sua vida, a seguir o caminho que teria traçado se estivesse ao lado de Olívia. Pois estar com Anamaria, sua filha com aquela, é, de certa forma, estar com Olívia. Dois trechos com os quais muito me identifico e que demonstram a insegurança de Eugênio são esses:

Tinha medo de fazer uma análise íntima, de olhar para dentro de si mesmo, pois seria cruel descobrir que a represa estava seca ou que continha apenas mágoas, incertezas, gritos de espanto e dúvida, velhos recalques.

Eugênio se esforçava por entrar na alegria berrante das horas de recreio, dos bailes que os rapazes improvisavam no grande salão de ginástica. Era inútil. Um dia gritara no meio da balbúrdia e ficara o resto do tempo a ouvir o eco interior da própria voz naquele grito sem graça, sem alegria, sem espontaneidade, sem juventude. Envergonhara-se de si mesmo.

Esse último trecho pode-se dizer que foi escrito olhando para minha experiência de calouro. Foi um ponto de flexão na minha vida, em que saía de uma melancolia de despedida para encontrar o novo, com novas atitudes. Entretanto, vi que a realidade não mudou como um todo, mas que o que devia mudar era a atitude perante a ela, apenas.

Podemos enchergar a insegurança em Eugênio em sua segunda fase por meio destes dois trechos. O que acho interessante é que, apesar de ter virado um personagem "bonzinho", essa bondade não é absoluta. É, com certeza, entremeada de dúvidas.

Repetia palavras e idéias que andavam no ar. Mas a verdade era que a pobreza e a infelicidade alheia, para ele, não tinham existência real. Ele só sabia das suas próprias dores, necessidades, do seu drama pessoal.

"A bondade não é uma virtude passiva". Como era fácil ser mau e como era ainda mil vezes mais fácil ser indiferente! A roda da vida girava e no fim de tudo estava a morte, o silêncio, o aniquilamento.

A questão dos sentidos, principalmente enquanto Eugênio era casado com Eunice, é bastande interessante, o que também está presente na sua relação com o Megatério (por que será que parece tanto com Cemitério hein?). Como a insegurança, ou o complexo de inferioridade, como ospersonagens do livro se referem, é transposta na relação de Eugênio com as coisas:

Se conforto tem um cheiro especial, ele o estava aspirando agora: um cheiro adocicado e pulverulento que vinha da madeira lustrada, dos estofos finos, da cera do assoalho.

Outro ponto que achei extremamente interessante no livro é na alta dose de sensatez, de consonância com muito do que penso. Apesar de ser uma história "feliz", com um final em que as coisas terminam relativamente bem, a natureza humana é descrita como má. É uma forma de se dizer: pode-se ser contente nessa confusão de sentimentos e nesse mundo infeliz.

É o mal da raça a mania de discutir, a volúpia de vestir um escafandro e descer ao fundo de todas as coisas. Mas é que existem lagos rasos.

Termino minhas impressões com a mais bonita parte do livro. É a esperança de Olívia, que, mesmo tendo sida "desverossimilhancizada" pelo Veríssimo em um dos prefácios, a oposição à insegurança de Eugênio. É aquela esperança que vence a insegurança.

Olha para o céu. As estrelas estão mais nítidas. Olívia fala na sua memória: "Olha as estrelas. Enquanto elas brilharem haverá esperança na vida". Ela sempre lhe dizia essas palavras. Tinham um misterioso sentido. As estrelas eram um símbolo de pureza, qualquer coisa inatingível que a mão dos homens não havia ainda conseguido poluir.

Um bom livro, embora não ótimo. Nota 8,5. É um daqueles que nos faz pensar, com uma história e um protagonista que nos envolve.

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