quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Meu coração é affectio tenendi


Meu coração é res derelictae, coisa sem dono. Coisa móvel, acessório do meu eu, não se trata de pertença. Apesar de às vezes duvidar, é infungível, afinal, não hei de aceitar coração outro ao final de um empréstimo. Que o comodatário o trate bem; não há perdas e danos que compensem o prejuízo causado.

É indivisível, embora sua composse seja possível. É situação instável, entretanto. Não queira viver com um coração com múltiplos posseiros. Esbulhos e turbações serão inevitáveis e, em matéria de bem-querer, não há ação possessória ou petitória que resolva a situação. Não é consumível, embora produza frutos (naturais ou civis? Reais ou fictos? Dúvida terrível!) que são de livre uso pelo dono, em qualquer horário e lugar.

Benfeitorias foram feitas, embora nenhuma fosse realmente necessária. Enquanto res nullius estivera bem, sem as benfeitorias úteis, e, principalmente, as voluptuárias, que acompanham um amor. O problema de tais benfeitorias é que não podem ser levantadas sem prejuízo da coisa principal. Não tive escolha. Arquei com a perda, já que o valor de tais benfeitorias em muito superavam o valor de superfície (ou pelo menos foi isso que me fizeram acreditar...).

Quem o tiver por bom e caro, por favor, não queria recompensa, não se trata de descoberta, mas sim de ocupação. Atente bem, é forma originária de aquisição, não há de se preocupar com antigos possuidores. Não há necessidade de tradição ou registro. Basta a affectio tenendi. Basta ter afeto suficiente para querer o ter.

Meu coração é res derelictae, coisa à espera de dono.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Hey my droogies!


Acaba de me ocorrer uma idéia. Importante identificar a “genealogia” desta idéia, antes mesmo de apresentá-la. Ela é filha da apresentação, por parte do PET-Dir, do filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, e sua posterior discussão com os alunos presentes e com o professor convidado Evandro Piza. Também tem como progenitora leituras referentes ao textualismo e ao giro lingüístico aplicados na história, como parte de disciplina ofertada pelo prof. George Galindo (Perspectivas Interdisciplinares entre Direito e História).

Embora a discussão dominante foi sobre a função da pena e da prisão para o sistema penal e para a sociedade, deslocando-se, posteriormente, para o sempre presente problema da segurança no campus, uma questão, tratada apenas tangencialmente, volta-me agora à cabeça.

É o uso, por parte do protagonista (A-lex), de palavras “emprestadas” de outro idioma. Nosso debatedor, professor Evandro, assumiu que tal característica teria como fim “infantilizar” o protagonista, a fim de dar “ares de inocência” a suas ações. Assim, por ser infantilizado, A-lex não teria a exata noção de suas ações, ou, por outro lado, apenas não se “importaria” com as conseqüências de seus atos. Uma “infantilização” do agressor nos traria para mais perto delo, nos pediria simpatia.

O que tento colocar aqui é bastante diferente. O uso de droog, gulliver, malchick, prestoopnik dentro do filme pode ter um significado diverso do de simplesmente infantilizar o fora da lei, ou de prestar “propaganda subliminar eslava”. O uso de termos alienígenas, ou mesmo inexistentes, pode expor a tentativa de se fugir das estruturas lingüísticas presentes em uma sociedade. É a sustentação de que nenhuma tradução é perfeita. E, por isso mesmo, os droogs podem não ser simplesmente “amigos” ou “comparsas” para A-lex. Uma significação que iria além do que já se tem é uma perspectiva.

A-lex poderia, da mesma forma que fez com as regras sociais e criminais, estar jogando fora das regras. Criando novas regras para interação. Talvez a “cura” de A-lex pode ter cortado pela raiz a ascensão de uma nova forma de relações interpessoais, de uma nova forma de se estruturar o pensamento e até mesmo de uma nova forma de se conectar com a realidade.

Daí que nos perguntamos: a quase infinitude de institutos jurídicos conseguem expor de forma satisfatória a realidade que nos cerca? Se sim, é essa a realidade que nós queremos? Pode o Direito, com uma mudança radical em seu interior, acarretar mudanças não menos radicais na Sociedade? Estrutura estruturada ou estruturante, a visão, e mesmo a prática, de um direito “alternativo” pode ser interessante exercício para aferirmos a elasticidade das bordas de nossa sociedade.