sexta-feira, 30 de abril de 2010

Amar, Verbo Intransitivo - do Paulistano Desvairado

Missão da noite: escrever uma resenha sobre o livro "Amar, Verbo Intransitivo", de Mário de Andrade. Coloco nesses termos principalmente porque será realmente difícil tecer um discurso totalmente concatenado sobre o livro. Tenho opiniões diversas dentro da própria trama, tanto boas quanto ruins. Me perdi um pouco dentro da narrativa, feita de modo bastante curioso.

A primeira dificuldade de se ler Amar, Verbo Intransitivo (AVI) é a de se compreender a história. As primeiras 30 páginas são bastante confusas. Não consegue-se dar cara às personagens, não consegue identificar cada uma delas na seqüência dos acontecimentos.

Quando começa-se a identificar personagens, logo vemos que a narrativa gira em volta de uma personagem alemã, Elza, ou, como será chamada por todo o livro, Fräulein. E a tentativa inicial de Andrade foi fazer com que Fräulein fosse algo como o estereótipo alemão, ainda que, para o autor, haja dois alemães dentro de um só:

O alemão propriamente dito é o cujo que sonha, trapalhão, obscuro, nostalgicamente filósofo, religioso, idealista incorrigível, muito sério, agarrado com a pátria, com a família, sincero e 120 quilos. Vestido o tal, aparece outro sujeito, homem da vida, fortemente visível, esperto, hábil e europeiamente bonitão. Em princípio se pode dizer que é matéria sem forma, dúctil H²O se amoldando a todas as quartinhas. Não tem nenhuma hipocrisia nisso, nem máscara. Se adapta o homem da vida, faz muito bem.

Porém, com o andar da carruagem, vemos que o livro não é apenas sobre uma alemã começa seu trabalho como governanta em um lar de classe média alta no Brasil. Como o títula da obra já dá a dica, AVI é sobre o amor. Também podemos afirmar que trata de costumes brasileiros nas décadas de 20/30, e, além disso, da visão que os estrangeiros têm da nossa pátria (embora fique claro que é uma visão dum intelectual brasileiro sobre o que os estrangeiros acham do brasileiros).

A história segue com sua narração confusa, com "capítulos", ou simplesmente interrupções, que muito pouco tem a ver com o centro da história. Utiliza muitas assonâncias e onomatopéias. Usa o recurso de repetir um trecho repetitivamente. Dá, no início, informações que só podem ser entendidas com a leitura. Exemplo da suavidade, da discrição do texto:

A colcha branca ondula toda, insone, por mais de meia hora, ver terremoto de teatro. Gira dum lado pro outro, se contorce. Vai se desarranjando, cai. Carlos principia a correr. Vai correndo cada vez mais rápido e depressa, 120 por hora... Pum! caius. Dá um pulo na cama, respira ofegante, se ergue. Procura a colcha e se cobre outra vez. Agora está dormindo.

E a principal das informações da história, que só vamos compreender para lá da metade do livro, é a real "missão", o trabalho pelo qual Fräulein ganhará seus oito contos. A alemã foi contratada pela família Sousa Costa para ser a iniciadora do filho mais velho, Carlos. Tudo num ponto de vista de se "proteger o menino dos perigos da rua", ou algo do gênero. Faz aquela linha de pensamento, "antes em casa do que na rua".

O peculiar de tudo é a visão de que a governanta tem do que seja o amor:

O amor deve nascer de correspondências, de excelências interiores. Espirituais, pensava. Os dois se sentem bem juntos. A vida se aproxima.

Andrade, apesar da profissão da protagonista, pinta-a mais como uma verdadeira alemã, "culta" e "com princípios", do que como "alguém de vida fácil" (sim, eu sei que estou exagerando nos chavões nesse texto, fazer o quê?). E é nisso que está a beleza de AVI. E é aí também que teço minhas críticas quanto ao que entendo pela "mensagem" do título.

Amar, Verbo Intransitivo. O que isso nos conta? O que seria amar como um verbo intransitivo? O dicionário coloca amar da seguinte forma:

a.mar
(lat amare) vtd, vint e vpr 1 Ter amor, afeição, ternura por, querer bem a: Queria dizer a todo o mundo quanto o amava. Os egoístas não amam. Amaram-se toda a vida. vtd 2 Apreciar muito, estimar, gostar de: Feliz daquele que ama o trabalho! vpr 3 Fazer amor; copular: Os recém-casados amam-se no escuro. Antôn: detestar, odiar.


Apenas uma acepção para amar como verbo intransitivo. É a acepção de amar como algo absoluto. Vejo AVI como uma definição possível do verbo amar como intransitivo. É o amor que Fräulein tenta ensinar a Carlos. O amor, que embora idealizado, se concretiza. Um amor que, muitas vezes, perde a cara e se torna apenas corpo. É o amor que não tem complemento. Não importa o outro sujeito que se ama, mas apenas as forma a qual se ama.

Fico na dúvida se compreendi adequadamente o texto de Mário de Andrade. Tem uma leitura relativamente simples, apenas com um ou outro problema de léxico, já que quase 80 anos separam o leitor de escritor. A história é boa, embora não tenha aquela liga que nos deixa preso à narrativa, exceto por uma ou outra parte. A forma da narrativa, inclusive, é um dos pontos altos da leitura. Dou nota 7,5. O modernismo pelo modernismo, como AVI em muitas partes mostra, não é um bom projeto. Apenas quando tenta nos passar uma mensagem clara é que ganha forma é mostra todo o potencial.

Termino o post com algumas passagens que achei bastante interessantes:

O que chama-se vulgarmente personalidade é um complexo e não um completo.

Carlos esses três dias viveu? Eu não sei se alcançar a felicidade máxm, extasiar-se aí, e sentir que ela, apesar de superlativa, inda cresce, e reparar que idna pode crescer mais... isso é viver? A felicidade é tão oposta à vida que, estando nela, a gente esquece que vive. Depois quando acaba, dure pouco, dure muito, fica apenas aquela impressão do segundo. Nem isso, impressão de hiato, de defeito de sintaxe logo corrigido, vertigem em que ninguém dá tento de si.

Não se discute: os estigmas do pecado alindam qualquer cara.

Porém, quando as verdades saltam do coração, nós homens intelctuais lhe damos o nome feio de confissões.

Dona Maria Luísa melancólica olha a filha. Por que tem bonecas sãs e bonecas doentes neste mundo, meu Deus!

De mais a mais assim, violentamente, a lição ficava mais viva no espírito, isto é, no corpo de Carlos. O corpo tem muito mais memória que o espírito, não é?

Nenhum comentário:

Postar um comentário